Pronunciamento de Posse de Gioconda Labecca na Academia de Letras da Grande São Paulo, em 20 de Março de 1986.


Meu ilustre Presidente
Desta Egrégia Academia
Trago na alma esplendente
E repleta de estesia

A mais sublime emoção,
O mais doce encantamento
Pela grande recepção,
Pelo belo acolhimento

Que recebo dos senhores
Pelas palavras bonitas
Como braçadas de flores,
Enfeitadinhas de fitas.

Ao grande Doutor Savério
Agradeço emocionada
Seu estilo nobre e sério
E a palavra autorizada.

Sua bondade é um fato:
Do real foi muito além…
Foi o meu melhor retrato
Feito em prosa, por alguém.

Sou a simples trovadora
Que em tudo vê poesia…
Sou a cesta recolhedora
Das coisas do dia-a-dia.

Colhendo gotas de orvalho
E migalhas de ilusão,
Faço disso meu trabalho,
Minha grande ocupação.

Encho as horas escrevendo
Aquilo que provo e faço…
E sinto que vou crescendo
Cada dia sem fracasso

Hoje meu ser se renova
Pelo que ouvi de bonito
Por isso que falo em trova
Tudo que aqui foi escrito.

Deixei minha inspiração
Seguir livre o seu caminho…
Que a voz do meu coração
Chegue a vós com mui carinho

Que minha voz seja quente
Como se emana de mim…
Seja um perfume presente
Como as rosas de um jardim.

Seja a cantiga suave
De uma criança brincando…
Seja o canto de uma ave
Pelo azul do céu planando.

Neste mundo de incertezas
Onde impera o ódio, o vício,
Encontramos só belezas
Neste nobre sodalício.

Nossas almas bem juntinhas
Se confundem nesta hora,
Se vão como as andorinhas
Pelo espaço azul afora.

Nesta sublime ascenção
Habito um mundo de sonhos
Na grande transformação
Destes momentos risonhos.

Estou contente e fagueira
Por ser agora escolhida
Para ocupar a cadeira
De uma pessoa querida

Seu nome me traz respeito,
Enche-me a alma de luz,
Seus versos trago-os no peito
Como um facho que reluz.

Desde criança que o amo
E seus versos eu recito…
Nas horas de tédio o chamo
E subo até o infinito.

E vejo um coro de arcanjos
Todo repleto de luz,
Junto de Augusto dos Anjos
Carregando enorme cruz.

Chega-se a mim sorrateiro
Transporta-me de mansinho
Ao Paraíso verdadeiro,
E dá-me a mão com carinho.

E de voz roca, pausada,
Que pelo infinito erra,
Faz-me ouvir extasiada
A “sua árvore da será”.

“As árvores, meu filho, não tem alma!
E esta árvore me serve de empecilho…
É preciso cortá-la, pois, eu filho;
Para que eu tenha uma velhice calma!

Meu Pai, porque sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos Cedras… no junquilho…
Esta árvore, meu pai, possue minhalma!…

Disse-e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado branco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais de levantou da terra!”
Meus olhos cheios de água,
As mãos trêmulas, vazias,
Compreenderam sua mágua
Que em vida o comprimia.

Extravazou-se em poesia!
Tudo quedou-se absorto…
E trêmulo proferia
Seus versos, “A Meu Pai Morto”.

“Madrugada de treze de janeiro!
Rezo sonhando o ofício da agonia
Meu pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!

E eu nem lhe ouvi o atento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse a minha mãe que me dizia:
“Mando-o” deixo-o, mãe, dormir primeiro…

E sai para ver a natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza
Nem uma nevoa no estrelado véu…

Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de glorias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao céu!”

Nesse grande encantamento,
E nesse estado de graça,
Foi grande o enleamento
Que fugia qual fumaça.
Eu não queria voltar
À terra, e sem ouvir
“Versos íntimos” declamar
E dali me despedir.

Translúcido pôs-me a o olhar
Diante do meu fascínio
Eu estava a flutuar,
Toda etéra ao seu domínio.

Erguendo seu dedo em ristec
Com a voz entrecortada
Em tom suave, nem triste
Diz versos como balada.

“vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro da tua quimera.
Somente a ingratidão esta pantera
Foi tua companheira inseparável.

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que nesta terra miserável
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, e, a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena à tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Já me sentindo saudosa
E de alma enterrecida,
Voltava à terra chorosa
Fraquejando combalida.

Mas Deus concede ao Poeta
Um dom que não tem ninguém
De ter a alma discreta
E subir sempre ao além.

De falar como os heróis,
Com Santos, Anjos, profetas,
Conviver com arrebóis
Em suas preces secretas.

De jogar pelos caminhos
Pingos de luz, muitas flores,
Aconchegar dentre os ninhos
Os corações sonhadores.

Ver em tudo encantamento,
Tirar do lodo uma flor,
Onde haja sofrimento,
Cantar em verso essa dor.

Só o poeta passeia
Nas ruas da solidão
Achando nela estesia,
Trazendo estrelas na mão.

Espalhando pela estrada
As rosas que são seus versos,
Tornando uma vida alada
Em momentos adversos.

Achar no negror da noite
A fonte de inspiração,
Receber do vento o açoite
E fazer-lhe uma canção.

Estender a mão amiga
Aquele que o fere e ataca…
Escreve-lhe uma cantiga
Em vez de cravar-lhe a faca.

Trazer na mão uma pira
Sempre acesa e cintilante
Que a vida inteira o inspira
Com sua verve inflamante.

Tirar da dor que o consome
A essência da própira lida!
Poeta! Esse é o seu nome!
Enamorado da vida!

Gioconda Labecca
São Caetano do Sul, 20 de Março de 1986.


Fonte: http://algrasp.com/academicos/gioconda-labecca/

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